(19.09.2014, por Antonio Gomes Costa)
Teresa Salgueiro vem apresentar a S. João da Madeira «O Mistério», o
primeiro álbum de originais da cantora, depois de 20 anos como voz
principal de um dos grupos de maior referência em Portugal, os
Madredeus. ‘O Regional’ desvenda-lhe nesta entrevista o «Mistério» do
espectáculo de amanhã, pelas 21h30, na Casa da Criatividade, onde a
cantora revisitou, numa entrevista por telefone, a sua carreira, que
iniciou aos 17 anos e já conta com cerca de 30. Quanto a S. João da
Madeira, diz que será a primeira vez que vem a esta cidade e que tem
muita curiosidade em conhecer o mais que puder, nomeadamente o Museu da
Chapelaria.
‘O Regional’ - Que espectáculos os sanjoanenses
podem esperar na próxima sexta-feira, na Casa da Criatividade, em S.
João da Madeira?
Teresa Salgueiro - O reportório que vou
apresentar é fundamentalmente baseado num disco que saiu em 2012, que se
chama «O Mistério». Trata-se de um trabalho com um reportório original,
temas que eu criei em conjunto com os músicos que me acompanham e que
cujas letras também as escrevi para essas melodias de voz. Este é o
centro desta apresentação, o reportório, se bem que haja inclusão de
outros temas, mas a grande maioria ainda está, de facto, publicado desde
essa altura e com a qual tenho feito uma grande viagem.
É a primeira vez que vem a S. João da Madeira? O que conhece desta cidade?
Conheço muito pouco…Penso que nunca estive em S. João
da Madeira (risos). Sei que tem o Museu da Chapelaria, mas não sei se
vou ter tempo de visitar seja o que for. Com o tempo que dedico aos
concertos, aos ensaios, ao descanso, deixa-me sem tempo para combinar
qualquer coisa para esses dias. Mas, pela curiosidade, vou tentar
conhecer, mas são sempre dias muitos preenchidos. O foco é o concerto,
mas, pelo menos, vou conhecer a sala e ter o contacto com o público,
porque é para isso que também aí vou.
Mas trata-se de um espectáculo intimista?
Não gosto muito da palavra intimista. Gosto mais da
palavra íntimo. Mas há um contacto com o público. Mais do que ser
íntimo, eu penso que há uma música que convida as pessoas a escutá-la e
que as põem em contacto elas mesmas. Ou seja, é uma música que exige de
facto uma atenção, no sentido em que nos põe em contacto com o
pensamento. A sala não é muito grande e, assim, estamos perto das
pessoas, o que me agrada. De facto, é uma música que comunica com as
pessoas, uma música profundamente emocional e que comunica precisamente
esse mundo do sonho, das emoções, dos sentimentos e do pensamento.
Foi difícil, após 25 anos de dedicação contínua à
música, entregar-se, pela primeira vez, à composição das músicas e à
escrita das letras de todos os temas deste disco «O Mistério»?
Não foi difícil, foi um processo que eu procurei, que
teve todas as suas expressividades. Foi um processo novo para mim e este
disco tem um grande significado, porque representa um novo começo, ao
fim de tantos anos, numa outra vertente da música. Continuo a
interpretar, claro, mas, neste caso, não a música que foi feita para
mim, mas sim música que eu fiz. Foi um processo muito enriquecedor que
eu procurei por minha iniciativa, porque sentia que fazia sentido
fazê-lo e, de facto, fez. Ou seja, não havia nada e do nada surgiram
estes temas que passaram a representar uma parte importante da vida
destas pessoas que se dedicam e que nos acompanham, os técnicos, que
estamos, como diria, de viagem desde 2012 em muitos países, desde aqui,
Portugal, e outros países da Europa; no Oriente, Macau, Taiwan e,
proximamente, estaremos em Bangkok, onde nunca estive, na Tailândia, na
América do Sul, no México e na América Latina. É um reportório que
começou a fazer parte da nossa vida. Neste momento, e já estou há algum
tempo, é um processo que leva o seu tempo, ou seja, já estamos em
composição de um novo reportório entre os concertos e as apresentações.
Mas, respondendo à sua pergunta de se é difícil, não digo que é um
processo fácil, mas é um processo que se procura, é exigente, é um
processo de criação.
"Proximamente estaremos em Bangkok"
Mas, no fundo, o que motivou a escolha de "O Mistério" como nome deste álbum?
«O Mistério» é o nome de uma das faixas do álbum, de um
dos temas. A escolha do nome prende-se com o sentido daquilo que
escrevi, porque penso que posso dizer sobre todos os temas. Todas as
palavras foram directamente inspiradas pela música que fizemos, que eu
escrevi como uma reflexão sobre a dimensão humana perante o mistério da
vida e que está presente em tudo, que a todo o momento nos lembra da
nossa condição humana, a nossa dimensão, a nossa fragilidade e também a
nossa força extraordinária. De facto, somos muito pequenos no universo
que nos rodeia.
Mas, por outro lado, temos uma capacidade criativa,
somos criadores, podemos realmente transformar o mundo em que vivemos e
todos nós o podemos fazer, de uma maneira ou de outra, com o mais
pequeno gesto, com a responsabilidade desse gesto e do uso das nossas
palavras, da nossa presença no mundo perante os outros e nós mesmos.
Penso que «O Mistério» está presente nessa noção de que
nós, de facto, não é suposto conhecermos tudo o que há na realidade, a
parte misteriosa, aquilo que não se vê, a existência de tantas e tantas
coisas. Para além do que conhecemos, acho que nos ajudam, são tão reais
como aquilo que se vê e é palpável e nos ajuda a manter uma dimensão de
sonho que é, sem dúvida, o motor da existência humana, porque se o homem
não tiver a capacidade de semear, enquanto espécie, penso que já não
existia.
Um disco gravado em Agosto de 2011, onde se deslocou
de malas e bagagens para o Convento da Arrábida com os músicos e
montaram de raiz um complexo estúdio de gravação. Foi, acima de tudo, um
desafio?
Foi um desafio que mais uma vez procurei. Toda a
criação deste reportório aconteceu num período entre Janeiro e Julho
desse ano e foi um processo de muita proximidade com as pessoas que o
fizeram, um processo muito enriquecedor, muito vivo e emocionado. Decidi
muito cedo que não gostaria de gravar este reportório num ambiente frio
de um estúdio convencionado e que seria interessante, porque
trabalhamos muito em repetido, sempre no que diz respeito à composição,
que seria interessante fazer um retiro para gravar o disco e que fosse
um lugar que nos permitisse estar alheados da realidade do dia-a-dia e
de tudo o que nos pudesse distrair da nossa música. O primeiro lugar que
procurei foi o convento da Arrábida, que não conhecia, porque era um
lugar que tinha curiosidade de conhecer e fiz uma visita ao convento e
percebi que ali se podia fazer, não no convento, que é do séc. XVI, mas
uma casa anexa que tinha a tipologia ideal para construir um estúdio,
que permitisse tocar todos ao mesmo tempo em directo e gravar os temas.
Foi isso que fizemos.
Tinha 17 anos quando entrou para os «Madredeus». A banda foi responsável pela formação da sua própria personalidade?
Da minha personalidade não direi. Os Madredeus têm uma
história extraordinária da música e ainda assim acho que é uma banda
muito pouco conhecida, tanto aquilo que fizeram ao longo dos anos que
estive com eles, como o reportório que criaram.
Só em si é uma história que é extraordinária e que me
enriqueceu muito em todos os seus aspectos, fez parte da minha vida e
estes 20 anos são estruturais para mim.
Quanto à minha personalidade, acho que sim, se
considerarmos que tudo aquilo que nos rodeia e as nossas experiências
são definitivas para a formação, não do carácter de personalidade,
porque já era crescida. Mas, ao longo da vida, todas as nossas
experiências nos vão modelando a nossa figura exterior e interior.
"Voz profunda, em constante crescimento"
Mas 20 anos foram muitos anos a dar voz aos Madredeus?
São vinte anos (risos). Quando eu saí do grupo era mais
de metade da minha vida. Portanto, foi o tempo ideal. Saí quando fez
sentido sair e estive até fazer sentido.
Criou também uma nova imagem. Sentiu a necessidade de marcar diferença?
Eu não criei uma nova imagem, cortei o cabelo, que é
uma coisa que as mulheres fazem de vez em quando... (risos). Claro que,
como qualquer pessoa, tenho necessidade de mudar. Eu estava diferente
nessa altura e estou, como qualquer pessoa, em constante mudança.
Os críticos dizem que a sua voz é cristalina. É desta forma que avalia a sua voz?
Os críticos dizem muita coisa sobre a minha voz
(risos). Acho que é uma voz profunda, em constante crescimento e não só
cristalina... Acima de tudo, não me preocupo em caracterizar a minha
voz, preocupo-me é transmitir o maior leque de emoções, cores. Versátil é
também um adjectivo que se pode aplicar. Para mim o importante é mesmo
comunicar com a minha voz que, felizmente, tenho e que oferece a
capacidade de procurar e ir ao encontro de diferentes aproximações, que é
o que mais me fascina e me permita atingir novos objectivos.