Boa tarde,
Segue entrevista que Teresa Salgueiro concedeu ao repórter Henrique de Burgo, do jornal Contacto.lu:
"Depois
de vinte anos a dar voz aos Madredeus, Teresa Salgueiro regressa ao
Luxemburgo a solo esta sexta-feira para apresentar o seu primeiro álbum
de originais, “Mistério”, no festival OMNI, na Abadia de Neumünster. Em
entrevista ao CONTACTO, a cantora convida os fãs a descobrir o seu mais
recente disco, fala da saída dos Madredeus e revela que está a preparar
um novo álbum.
CONTACTO – Já cá esteve várias vezes com os Madredeus e com outros
músicos. Quando actua no Grão-Ducado, onde há uma grande comunidade
portuguesa, sente-se em casa, ou para si qualquer palco é a sua casa?
Teresa Salgueiro – Claro que é bom saber que há pessoas que
entendem as palavras cantadas, o que é sempre especial, mas sabemos que
estamos fora do país e que não é só a comunidade portuguesa que está
presente. Não será propriamente como tocar em casa. Mas por poutro lado,
procuramos fazer de cada palco a nossa casa, sem dúvida.
CONTACTO – Em 2012 lançou “O Mistério”, o seu disco mais recente e
o seu primeiro álbum de originais. Vem agora apresentá-lo num local
onde costuma actuar, o centro cultural Abadia de Neumünster. Como é que
acha que vai ser recebida, agora a solo?
Teresa Salgueiro – A última vez que estive na Abadia, um lugar
belíssimo, foi com o projecto “Você e eu”, em 2008, dedicado à
interpretação do cancioneiro brasileiro. Correu muito bem. Desta vez vou
com o repertório de “O Mistério”, mas não só. Este álbum, que é como um
recomeço para mim, tem sido muito bem recebido por onde tem passado e
espero também que as pessoas estejam preparadas para ouvir algumas
músicas que talvez não conheçam.
CONTACTO – “O Mistério” foi gravado num convento, um local de retiro espiritual. Este álbum tem também um lado espiritual?
Teresa Salgueiro – O disco foi gravado no convento da
Arrábida, aliás numa hospedaria que faz parte da estrutura e onde foi
possível construir um estúdio. Não queria um estúdio convencional, mas
sim um espaço de recolhimento, onde pudéssemos estar focados e entregues
à gravação. Sobre as letras das canções que escrevi, são uma reflexão
da dimensão humana perante o mistério da vida, daí o nome “O Mistério”,
que é também um dos temas do álbum. Estamos juntos na vida e sabemos que
há muitas coisas que não conhecemos e nem vamos conhecer. Não é suposto
conhecer toda a realidade. Se aceitarmos esta nossa condição,
compreendemos melhor a nossa dimensão, a nossa fragilidade e pequenez
perante o universo que nos rodeia. Mas também é preciso lembrar que
somos criadores e com cada palavra e cada gesto podemos transformar o
mundo num lugar mais justo. É esse o exemplo que a música me dá e que me
motiva a fazer música.
CONTACTO – Apesar de ser um álbum a solo, este é também o
resultado de um trabalho colectivo. Como foi todo esse processo de
criação com os músicos que escolheu para este álbum?
Teresa Salgueiro – Foi um processo muito interessante. Como a
linguagem é comum, a ideia era que cada um de nós pudesse intervir na
música. De certa forma eu sou o filtro da música que se vai criando, mas
cada pessoa tem espaço para criar aquilo que vai tocar. A música pode
nascer de uma melodia de voz que inventei, de uma frase ou do acorde de
uma guitarra. Passámos muito tempo juntos para que a música cresça e se
encontre um caminho. É um tipo de trabalho que implica muita
cumplicidade e partilha. Durou de Janeiro a Julho de 2011. Foi depois
gravado a partir de Agosto desse mesmo ano e saiu em Maio de 2012.
CONTACTO – Depois de um percurso de 25 anos de dedicação
ininterrupta à música, apresenta-nos 17 faixas com músicas e letras de
sua autoria. Para além da sua voz, ainda que agora com mais matizes, “O
Mistério” tem alguma coisa de Madredeus? Como define a musicalidade
deste trabalho?
Teresa Salgueiro – Em termos de espírito há uma certa
continuidade, mas a música é muito diferente. Quis fazer uma música que
não renegasse o meu passado, mas que fosse inovadora. Quanto à
sonoridade temos o contrabaixo, acordeão e guitarra que poderão fazer
lembrar coisa. Nos Madredeus não tínhamos contrabaixo, mas violoncelo,
mas são instrumentos que estiveram ligados à minha voz durante muito
tempo. Não quis negar o meu passado, mas viver uma coisa diferente.
CONTACTO – Esteve 21 anos nos Madredeus (1986-2007), editou quatro
álbuns com outros artistas entre 2005 e 2009, e gravou com grandes
nomes da música portuguesa e mundial. Que retrato faz do seu percurso
musical?
Teresa Salgueiro – São muitos anos de música, com um percurso
muito longo, rico e diversificado. Só a aventura dos Madredeus é uma
coisa única na música portuguesa. Nunca um grupo português foi tão longe
a tocar música original, criada por portugueses. Dentro desse percurso a
própria banda mudou. Saíram e entraram músicos, o estilo musical também
foi crescendo. Ainda nos Madredeus, enquanto o grupo estava parado,
editei dois discos, “Você e eu” e “La serena”, produzidos por Pedro
Ayres Magalhães. Isso foi entre 2006 e 2007, período em que andei também
em ’tournée’ com outro projecto, “Silence, Night and Dreams”, do
compositor polaco Zbigniew Preisner. Para mim é um retrato feliz na
música, com grande amor, dedicação e aprendizagem, tanto com os
Madredeus, como com o percurso que tenho vindo a fazer sozinha, ou com
os músicos que convidei para trabalhar comigo. Hoje em dia a indústria
da música mudou e as coisas estão complicadas, mas graças a Deus que até
hoje não fiz outra coisa na minha vida a não ser música. Sinto-me
privilegiada.
CONTACTO – Mantém ainda contacto com os antigos colegas dos Madredeus?
Teresa Salgueiro – Não, não temos contacto. Se os encontrar, cumprimentamo-nos [risos]. Cada pessoa seguiu o seu caminho.
CONTACTO – Ainda há esperança de ver e ouvir um dia os Madredeus novamente reunidos, nem que seja para alguns concertos?
Teresa Salgueiro – Eu não sou a única pessoa do grupo e não
devo responder por todos. As coisas têm e tiveram o seu tempo. As
pessoas seguiram percursos diferentes, não mantemos contacto e neste
momento não sei se faz sentido ou se algum dia fará.
CONTACTO – Vai manter-se a solo? Tem novos projectos?
Teresa Salgueiro – O projecto tem o meu nome, mas não posso
dizer que me mantenho a solo, até porque estou sempre acompanhada por um
núcleo de músicos que se mantém, apesar de algumas alterações.
Projectos... Estou num processo de composição. Há temas novos que estão a
ser escritos e que hão-de vir a ser gravados o mais breve possível. É a
isto que me estou a dedicar, à composição e à gravação de um novo
disco, com o mesmo núcleo de músicos.
CONTACTO – Há algum nome com quem gostaria ainda de vir a trabalhar?
Teresa Salgueiro – Tive a felicidade ao longo destes anos de
conhecer muitos artistas e gravar alguns discos com alguns deles. Em
2005 saiu o disco “Obrigado”, que juntou várias dessas colaborações.
Foram-me convidando, não foi um plano meu. Se fosse um plano meu,
pensaria na cantora brasileira Marisa Monte, que é uma pessoa com quem
gostaria muito de cantar, mas neste momento estou preocupada em fazer
música.
CONTACTO – Uma palavra para os seus fãs no Luxemburgo.
Teresa Salgueiro – Espero que as pessoas possam estar
presentes e convido-as a ouvir esta música diferente, que certamente
pouca gente conhecerá. Espero que seja um bom momento de música, que
valha a pena. Vamos dar o nosso melhor, como sempre.
Henrique de Burgo
O concerto vai ter lugar esta sexta-feira às 21h no átrio da
Abadia de Neumünster, no Grund, na capital. Os bilhetes custam 27 euros.
Mais informações pelo tel. 26 20 52 444 ou na internet (www.ccrn.lu). O
festival de música ao ar livre organizado pelo centro cultural Abadia
de Neumünster, baptizado Objectos Musicais Não Identificados (OMNI),
comemora este ano a décima edição com um “best off” dos artistas que
passaram por lá na última década, incluindo, além de Teresa Salgueiro,
Youssou N’Dour e Joss Stone."
(Foto: Federica Borgato)