terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Entrevista ao Diário Catarinense


Boa tarde,

Partilho aqui uma entrevista feita à Teresa pela jornalista Fernanda Oliveira, do Diário Catarinense, em maio de 2013, quando de sua vinda ao Brasil, mais precisamente em Florianópolis, para apresentar "O Mistério.

A poucos dias de se apresentar em Florianópolis, a cantora portugesa Teresa Salgueiro, ex-vocalista do grupo Madredeus, fala sobre a carreira solo e a experiência com a música, em entrevista concedida ao DC por telefone.
"Fazer show em um país onde se fala a mesma língua facilita a proximidade com o público?
Já não vou ao Brasil há dois anos, mas visito regularmente o país há mais de duas décadas e sempre me senti próxima. É muito comovente e tocante cruzar o Oceano Atlântico durante horas a fio e chegar a um país continental, de território vasto, com a representação de muitas culturas diferentes. Já tive a alegria de viajar por muitas cidades de Norte a Sul do Brasil e sempre me senti muito bem recebida. Mas, mesmo antes de ir ao Brasil, já me sentia próxima de certa forma, porque de fato falamos a mesma língua e ainda por cima é um país de música, de grandes autores, intérpretes e compositores que sempre admirei. Não por acaso gravei um disco em São Paulo com músicos brasileiros, lançado em 2007 - eu queria viver de dentro a alegria e a vitalidade dos músicos do Brasil.

Quais são alguns desses músicos brasileiros que você admira?
Do século 20 gosto muito de Chico Buarque, Dorival Caymmi, Ary Barroso, Tom Jobim, Carlos Lyra, Pixinguinha... São muitos. O Cartola gosto muito, a Marisa Monte é uma artista da atualidade por quem tenho uma grande admiração e até assisti a um show dela há poucos dias aqui em Lisboa. Intérpretes como Elis Regina, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa - muitos deles são há décadas bastante conhecidos em Portugal, mas como tenho um gosto especial pela música fui pesquisando e descobrindo outros menos conhecidos.

Sua carreira na música já soma mais de 25 anos. O que a mantém motivada?
É o meu amor pela música e a minha dedicação. Também a oportunidade de ter trabalhado com músicos e autores que escreviam música para mim, ou então de entrar em contato com outras potencialidades musicais e ter me sentido sempre muito bem recebida pelo público. É muito interessante ao fim de tantos anos estar vivendo um momento como este, que é muito singular e importante pois é como um novo começo. Durante toda a vida cantei repertório original que não era feito por mim, depois cantei repertórios clássicos de várias culturas e entrei em contato com muitas realidades diferentes na música. E finalmente convidei músicos que conheci ao longo dos anos para participar deste projeto e compor o repertório de O Mistério.

E antes de tudo isso, você chegou a pensar em fazer outra coisa da vida?
Eu tinha 17 anos quando comecei a cantar. E entrei em uma aventura única na música portuguesa, que foi muito bem-sucedida. De fato eu não tinha feito planos de ser cantora, apesar de sempre ter gostado muito. De certa forma foi uma coincidência o convite que me fizeram (para integrar o Madredeus). Mas é claro que, a partir do momento que comecei e fizemos algum sucesso, percebi que esse seria o meu percurso. Então passei a me dedicar inteiramente e me entreguei, já não como uma casualidade, mas como uma escolha clara e com disciplina, com a vivência completa à qual a música nos chama.

Em que sentido a saída do grupo alterou sua experiência com a música?
Alterou a experiência no sentido de que agora componho aquilo que canto, produzo meus próprios discos e toda a minha atividade é de minha própria iniciativa. Isso é completamente diferente de integrar um grupo e ser convidada para cantar determinado repertório. Fui eu que decidi formar esta banda, fui eu que compus com os músicos as canções e fui eu que escrevi as letras. Mas em relação à própria música a motivação é exatamente a mesma: o amor e a vivência desta dimensão imaterial. A música e a poesia são uma realidade que não se pode tocar, mas que é tão real quanto qualquer coisa material. E isso faz parte de uma dimensão onírica que acredito que é o que faz com o que ser humano ainda exista e que nos completa.

Quais coisas inspiram você a escrever as letras?
Tudo que escrevi neste disco está ligado à forma como observo o mundo. Aquilo que me inspira acima de tudo é a resistência humana, o difícil que é mantermos uma estrutura que nos permita sermos nós mesmos e o fato de persistirmos nisso. De certa forma nós vivemos há tantos séculos e observamos que os mesmos erros vão se repetindo. Isso é uma coisa muito intrigante para mim. O que escrevo é uma reflexão sobre a vida humana e a presença desse mistério, pois não temos nunca acesso à grande parte das razões que nos fazem estar aqui. A existência é um mistério tremendo. Tenho um grande respeito pela vida e penso que a aceitação da condição humana nos faz viver a partir de uma dimensão ao mesmo tempo frágil e forte, pois criamos e recriamos a nossa realidade. É isto que me inspira: a própria vida, as emoções, os sentimentos, a procura do amor e do respeito.

Você costuma chegar com antecedência aos lugares e conhecer um pouco das cidades por onde passa?
Sempre viajei de forma muito veloz com os shows, de tal maneira que não tive chance de conhecer e passear muito pelos lugares. Mas, em viagens de longa duração, procuro chegar na véspera para haver oportunidade de o organismo se repor um pouco. São muitas e muitas horas de voo, então é algo violento. É preciso algum tempo para o corpo voltar a si. Costumo dizer que essa coisa dos aviões é muito prática mas também pouco natural. Viajamos milhas e milhas em questão de horas, o que anos atrás durava meses para percorrer. Então o corpo chega primeiro e depois o espírito vai chegando com outra velocidade (risos)."

Foto: Isabel Pinto

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