sábado, 26 de outubro de 2013

Teresa Salgueiro em entrevista


Olá!

Esta entrevista que encontrei no site http://www.madredeus-osonho.net/Teresa.htm é antiga. Foi concedida a Olívia Azevedo no dia 03 de junho de 2000.


"Há treze anos, Teresa Salgueiro entrou numa "grande aventura", chamada Madredeus, à qual, e desde então, ficou a dever a própria formação de grande parte da sua personalidade. Desde os 17 anos que a sua vida é preenchida com um projecto que revolucionou, inclusivamente, a marcha das bandas em Portugal. Nesta entrevista, a cantora fala sobre o que deixou para trás e qual será o caminho a seguir daqui em diante. Longe de uma infância em que brincava aos festivais da canção, não parou, contudo, de sonhar com música e com o reconhecimento do público. Afinal, é este que dá sentido ao esforço de um artista. Com o decorrer dos anos, a sua vida mudou. Ao engravidar de Inês, hoje com 19 meses, e a melhor experiência da sua vida, o ar despreocupado da cantora deu lugar a uma mãe atenta.

Em alguns casos, a perda de anonimato implica também uma mudança de identidade. Como foi no seu caso?

Nos últimos anos passei muito tempo a viajar, pelo que nunca pensei muito na perda de anonimato. Ultimamente já sinto mais que sou reconhecida. Gosto que as pessoas gostem de me ouvir, e quando me reconhecem expressam-se sempre de forma carinhosa. O resto, é uma questão de gestão da vida pública e privada. Todas as pessoas têm uma personagem social. É o chamado teatro da vida. Algumas pessoas têm apenas mais exposição pública que outras. No meu caso, e dos Madredeus, trata-se da construção de uma personagem criada, ao longo destes 13 anos, por mim e pelos músicos. Em palco desenrola-se uma história que não é a minha.

Em que pensa quando está em palco?

 Estar em palco é viver um momento de comunicação muito particular com o público, em que dou o meu melhor por forma a transportar até ele aquilo que sonhamos.

Tinha 17 anos quando entrou para o grupo. Até que ponto a própria banda foi responsável pela formação da sua própria personalidade?

Dos 20 aos 30 anos, que é uma parte muito importante da formação, a minha vida foi passada com o grupo, pelo que é normal que a personalidade se vá formando, pois julgo que não é tão estanque quanto o carácter de uma pessoa. Nunca tinha feito projectos muito sólidos para ser cantora. Sempre cantei desde pequena. As brincadeiras, com as minhas amigas, passavam sempre pela organização de festivais da canção, que na altura se viviam com muita intensidade, mas nunca disse: "Eu quero ser cantora." De facto, tive uma grande sorte que virou totalmente a minha vida.

Quais eram as suas grandes referências musicais nessa altura?

Na altura tinha descoberto o fado, que permaneceu, até hoje, uma grande paixão para mim. Cantava temas de bossa nova e da música popular portuguesa. Essas eram as minhas referências mais fortes. Foi uma feliz coincidência ter descoberto um grupo que fazia uma música com a qual me identificava. Para além do facto de ter constituído família, o ponto central da minha vida tem sido a vida dos Madredeus. Quando olho para os primeiros temas que interpretei sinto um enorme carinho. É impressionante a distância e a atitude, tão diferente dos dias de hoje. Também há coisas que hoje ouço e das quais não gosto nada, mas sei que eram o mais sincero possível.

Como era a Teresa de então?

 Era muito entusiasta e sonhadora. Acreditei completamente nesta aventura e entreguei-lhe toda a minha vida, mas também foi numa idade em que não poderia deixar de acontecer. Não tinha mais nada para além da música. Era mais despreocupada do que sou hoje.

O preto foi uma cor que adoptou para a banda?

Já usava no dia-a-dia, e continuo a usar muito. Se bem que em palco seja menos recorrente. Sempre achei a nossa música muito pictórica, aponta muitos caminhos, fala de muitas cores e paisagens. Uma cor é o indício de qualquer coisa, mais do que a ausência dela, e o preto não é cor, é a ausência dela. Já tenho ouvido falar em ‘animais de palco’ (risos), eu não me considero isso, apesar de perceber a expressão e achar que certas pessoas nasceram para estar em cima de um. O palco tem sido ao longo dos anos uma conquista.

Jeans e t-shirts ficaram irremediavelmente guardados num baú?

Nunca me senti muito bem com Jeans e t-shirt, mas ando de ténis e visto-me do modo mais prático possível no dia-a-dia. Se calhar, por isso, visto-me de preto porque é fácil. Quando se tem uma exposição pública grande, o preto acaba por ser uma cor fácil que fica sempre bem. Não ando sempre vestida de preto, é mais no Inverno.

Ouvindo-a falar do seu percurso, parece que nunca teve de fazer sacrifícios, que tudo se foi encaixando. Já teve fases menos boas?

 Tive sempre de fazer uma escolha, mas a minha opção foi sempre muito clara: ter o privilégio de poder cantar e de viajar pelo país e por outras culturas. As coisas têm sempre o seu peso. Nunca se tem tudo, e sei que ao partir deixo coisas para trás. Mas parto com o meu entusiasmo e também com o daqueles que ficam, porque tenho o apoio dos meus pais e também da família que entretanto constituí. Houve uma altura em que eu e o Rui, o meu marido, não conseguíamos, organizarmo-nos por forma a ser maior a nossa permanência em casa, mas agora tanto eu como ele e o próprio grupo temos vindo a moldarmo-nos em torno destas relações. Nem sempre é fácil, mas sempre tive o maior apoio e entusiasmo do meu marido e da minha família. Sempre entenderam até que ponto tudo isto era extraordinário.

Não entrou em pânico quando soube que ia ser mãe, tendo em conta os calendários dos espectáculos e novos discos?

 Vivo muito um dia após o outro, e só assim tem sido possível viver até agora e gerir a minha entrega ao grupo. Quando soube que ia ser mãe percebi que iria ser difícil, porque era a introdução de um factor completamente novo e exterior, mas da parte do grupo recebi a maior compreensão e tenho podido levar a minha filha nas viagens. Penso que ela também me ajuda a organizar-me interiormente, e vou percebendo, à medida que ela cresce, que opções tomar para continuar a corresponder às suas necessidades.

Como será quando ela tiver de se fixar numa escola?

Eu escolhi ter filhos e não o contrário. Estou ciente de tudo isso. Sei que vai haver uma altura em que ela não me poderá acompanhar. Nessa altura, espero poder acompanhá-la o melhor possível e estabelecer o equilíbrio entre as minhas necessidades e o meu trabalho. Tenho-o conseguido gerir no limite, mesmo antes de ser mãe. Mesmo para o meu trabalho é um acréscimo, porque me obriga a saber, cada vez mais, quem eu sou através da minha filha. Claro que tenho muitas dúvidas que todas as mães passam, mas sei que a minha filha só me trouxe coisas, não me veio retirar nada. É a melhor experiência que eu vivi até hoje.

Como é a sua relação, enquanto mulher, num grupo de homens?

É evidente que há sempre conflitos de interesses e o grupo existe dentro da disponibilidade de cada um. Até hoje, sinto-me completamente apoiada. Quando percebo qual é o meu ponto de equilíbrio e o consigo comunicar aos outros, ele é completamente respeitado. Não se pode ter um grupo que viaja para todo o lado e ter todas as outras coisas. Tenho de me moldar às pessoas e ser humilde para trabalhar em grupo. É uma grande aprendizagem. Mesmo tendo de pôr muitas coisas de lado, a vontade de continuar é mais forte.

O seu próprio sucesso leva-a a ficar longe da família. Até que ponto vale a pena?

 Vale completamente a pena, enquanto eu sentir esta vontade e este entusiasmo, porque a vida – que é uma dádiva enorme – é limitada no tempo e as pessoas têm sonhos a cumprir ou que, pelo menos, têm a obrigação de perseguir. Vale a pena continuar a cantar, mas tendo sempre presente aquilo que também é importante: ser mãe, ter filhos e estar com aqueles que escolheram ficar comigo. Tenho toda a compreensão do meu companheiro, caso contrário era impossível continuar. O meu marido partilha deste entusiasmo, e estou ciente de que não é à primeira que as pessoas compreendem todas as implicações envolvidas. Eu não tenho um tipo de vida padrão que seja facilmente comparável com outro, mas ainda bem... Para mim, estar vivo é um privilégio muito grande. Mais ainda é poder comunicar aos outros alguma coisa boa. Esses são momentos muito especiais. Felizmente, estou casada com uma pessoa que compreende isso, até porque é poeta e porque me conheceu através da música. Já sabia muito bem com quem estava a lidar. Evidentemente que tudo é equacionável, mas penso que a vida é uma constante pergunta, demanda."




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